sábado, 2 de fevereiro de 2008

O Domínio


Nas luzes azuis do relógio eram 03h55min. Ele estava acordado naquela hora porque não conseguiu dormir. Sua sina era essa há várias noites, ele não possuía rotina e tomado por medo, angústia, depressão, solidão, ficava ali acordado feito um zumbi. Não conseguia parar o pensamento, ao mesmo tempo em que em nada conseguia pensar. Por mais fresca e tranqüila fosse a noite, a sudorese encharcava a sua cama. O silêncio era estridente e dilacerava a sua mente. Cansado daquele inferno levantou-se, acendeu a luz do quarto e caminhou até a janela. Abriu um buraco por entre as abas da persiana e começou a mirar o mundo lá fora. A noite estava fresca, ouvia se apenas cães ladrando, uma motocicleta ao longe, uma ambulância ou viatura e no bairro vizinho uma festa domiciliar na qual desejou estar. Observava as luzes de mercúrio que deixavam à cidade parecendo um tapete em brasas.

Ele, ao olhar para rua, viu um vulto afastando de sua casa. O vulto era elegante, trajava um sobretudo com capuz negro como a noite de qualquer lugar sem tantas luzes como as daquela cidade. O vulto ia embora, mas segundos depois, quando ele estava lá parado contemplando aquele individuo misterioso que se afastava com discrição, o vulto parou e com a mesma discrição e com o mesmo mistério começou a ir em direção a casa onde ele estava. Pânico! Ele foi percebido. Saiu da janela, apagou a luz, tropeçou o mindinho do pé na perna da cama e deitou-se naqueles lençóis mais frescos e menos úmidos. Antes que a dor não intensa, mas muito irritante do dedo lhe dominasse, ele foi tomado pelo medo e pelo arrependimento do que fizera, ou não fez. Ficou pensando no que pode ter acontecido para ser notado, se é que foi notado, e o que poderá acontecer pelos próximos minutos, nas piores das hipóteses.

Antes que terminasse sua linha de raciocínio, foi projetada nas persianas não muito opacas uma sombra que lembrava a feição do vulto. Cobriu-se com a manta como se ela fosse a mais poderosa das fortalezas. O vulto entrou pelo quarto e com facilidade destampou o rosto e o pescoço dele que já suava frio e era letárgico por tanto medo. Os caninos cravados no pescoço e ele sentido o mais intenso e puro dos orgasmos. Aquilo era muito bom. Após um desmaio e um pouco tonto os pensamentos não se fixavam. Estava ele deitado na cama e o vulto sentado na poltrona. Começa então o diálogo...

- Desculpa por...

-...estar me olhando pelo janela.

- Eu sofro...

- ...de insônia.

- Eu fiquei...

- ...com medo.

- Mas eu quis no fundo...

- ... da alma esse instante.

- Droga, pare de adivinhar o que eu falo!

- Desculpa, não posso controlar! É intrínseco a nos lermos os pensamentos alheios, portanto, nenhum segredo, certo?

- Certo, mas fique comigo! Eu te amo!

Eram 04h41min nas luzes azuis do relógio.

- Não dá, tenho poucas horas. Em breve tenho que descansar, em breve será aurora.

- Não, mas fique. Eu amo você!

- Outro dia eu volto!

- Outro dia quando? Eu quero ir com você!

O último beijo entre um corpo quente e um corpo frio, entre um corpo duplicado no espelho e outro nada visível. Já era 11h31min nas luzes azuis do relógio, o telefone toca, ele corre para atender.

- Alô?

- Atrasado outra vez!!! Onde você anda com a cabeça...