domingo, 12 de julho de 2009

Outra ovelha colorida na família

I – Sinceridade

Enfim, não estou só. Que atire a primeira pedra quem nunca se sentiu mais acuado quando se deu conta que pelo visto na família a única ovelha colorida é você. Que atire a primeira pedra quem nunca sentiu mais medo quando pensou que caso se assuma caberá a si ser aquele que vai “jogar o nome da família na lama”, que vai quebrar a “tradição, a moral e os bons costumes” da sua exemplar família. Que atire a primeira pedra quem nunca se sentiu lisonjeado por caber a si o pioneirismo, a vanguarda em tornar a família menos monocromática e mais colorida, quiçá em high definition a 24Mbps BitRate.

E aí? E aí que agora eu falo que atire a primeira pedra quem nunca se sentiu melhor, quem nunca pensou “menos mal”, quem nunca disse “ihhhhaaaa” (feito um goiano mesmo) ao saber que você tem um parente que é do babado!

Então, quando resolvi pegar mais leve comigo mesmo, tentando olhar as coisas por outro ponto e por fim me autoaceitar, uma das coisas que me veio à cabeça foi à família. Quando digo família falo de modo geral mesmo, englobo primos, tios, avós, quase primos, cunhados dos primos, os tioavós, o outro marido que a tia viúva encontrou e por aí vai.

Bom, quando pensei na minha família o que me veio na mente além do nível médio de cultura dela e que não é muito elevado, foi o fato de que em toda aquela gigantesca massa de... de... de... familiares sou eu o único ente colorido. Está certo, eu não acredito que a minha família a exemplo de toda sociedade seja tão heterossexual assim. A exemplo disso, creio que sejam no mínimo bissexuais os primos com os quais eu já brinquei de médico no começo da adolescência.

Porém contar com eles não vale, eles levam uma vida heterossexual, pelo menos aparenta, por seus vários motivos. É mais conveniente a eles aparentarem heterossexuais se gostam dessa fruta mesmo, se eles tem medo e preconceito quanto aos próprios sentimentos. Mas explodam as especulações sobre eles e os motivos deles porque não é isso o que interessa agora, vamos ao que interessa.

II – Contextualizando

Vamos recordar um pouco. No começo do ano assumi minha sexualidade, meu pai aceitou super de boa, minha mãe não aceitou super de mal e meus avós vieram para Goiânia, sem dizer os motivos a mim, para convencer a minha mãe a mudar de idéia, logo eles aceitaram também super de boa a minha sexualidade. Outrossim creio, ainda mais pelo meu estilo de vida mais "discreto", que não vou “desonrar” o nome de ninguém.

Pelo que meu pai falou meus avós não acreditaram muito que eu fosse. Ser eu um homossexual era algo muito inesperado para os meus avós, tanto é que eles nunca esperaram isso de mim. No entanto nutrem desconfianças de um outro primo meu, o qual também nutria certas desconfianças.

III – O Primo



Ele tem 14 anos, está de férias e veio curtir o tempo aqui na capital, na verdade na região metropolitana na casa de uma tia nossa. Comecei a reparar o priminho para tirar as coisas mais a limpo. Daí que vamos começar por onde sempre começo, ele não é feio, mas não é bonito, muito menos faz o meu tipo e pegá-lo me deixaria com peso na consciência. Explico melhor isso depois... Além disso é muito melhor ficar comendo com os olhos o cunhado da minha prima.

Mas nem só de sexo vive o homem, eu comecei a reparar outras coisas no querido primo. Ele é levemente efeminado, levemente delicado, não fala de futebol – eu também não, não fala de mulher – eu também não, não gosta de carro – eu gosto, não gosta de Fórmula 1 – eu estou puto com a Braw GP está favorecendo o Button, ele se relaciona melhor com meninas – eu também quando se é para fazer a linha heterossexual, mas que ele não é tátil com elas e nem fala sacanagens como quem nutre segundas intenções libidinosas – eu sim. Ele é também educadinho, bonitinho no melhor estilo “queria um neto/sobrinho/filho assim”.

Notei também que ele está acima da média masculina nos quesitos promotor de carinho e receptor de carinho. Achei encabulante (se a palavra não existe que passe a existir então) a forma como ele reagiu aos meus leves tapinhas nas costas do tipo “E aeh primo!” com aquele sorrisinho tímido.

Somo a essas observações também o fato dele não ter sido criado pelo meu tio, irmão dos meu pai, contar ele e a mãe dele com apoio emocional principalmente e financeiro dos meus avós, aos boatos e as demonstrações dele ser um rapazinho prendado e prestativo que lava, passa e cozinha.

Enfim, tenho 99,5% de crenças que ele seja do babado.

IV – O Messias

No entanto os espíritos doces da candura, da empatia faz que eu sinto um medo por ele. O menino mora no interior, lugar onde todo mundo conhece todo mundo e todo mundo adora falar de todo mundo. Além disso, a mãe dele, a família que o cerca, inclusive da nossa parte, não tem um nível cultural que se espera ser mais propício para aceitar no rebanho um ovino colorido. Outra coisa que ponho em questão é a educação e os referenciais que ele possa ter a respeito de sexualidade, principalmente a homossexual. Na capital já existe tabus, o que dirá no interior que embora não seja atrasado em muitos critérios fica atrás de centros urbanos maiores.

Certeza que ele é homossexual não tenho, mas para acreditar só preciso de uma confirmação. Creio que ele sente coisas que sentem os homossexuais, mas diante dos fatores expostos não deve entender e se entender não deve aceitar. Talvez tenha aceitado, mas está agindo silenciosamente, da forma como achar mais conveniente tornar as coisas melhores para ele, mesmo que isso possa estar equivocado.

Enfim, é bom saber que não estou sozinho no mundo familiar, não me sinto tão deslocado. Pode ser que um dia ele se assuma, caso ele realmente seja, a começar pela família. Por ele ser um xodó da família, protegido por quase todos talvez abra precedentes para que o resto da massa passe a encarar a homossexualidade como algo diferente do que eu sei que imaginam, ruim.