Hoje é dia 08 de janeiro, data que certamente vou carregar por toda vida, pois ela adquire para mim um significado relevante. Ano passado, nesse mesmo dia, aproximadamente às quatro horas da tarde minha mãe chegava do trabalho, conferia a caixa de correio e depois vinha até o meu quarto para dizer essencialmente que não era para eu receber cartas de homens. O que havia chegado para mim naquela quinta-feira era uma carta do Mário, não a primeira dele para mim, muito menos a primeira oriunda de um homem.
Quando ouvi o imperativo da minha mãe logo me desconcentrei do filme que assistia aqui no PC, De Porta em Porta cujo enredo não me agradou, era bem neoliberal e meritocrático. Comecei a pensar por quanto tempo iria brigar com minha mãe, iria mentir a respeito da realidade para os meus pais para viver como o que eu realmente sou. Pensei no e se eu falasse agora. Me veio medo, veio receio, veio a adrenalina e veio uma insegura decisão que uma vez tomada eu não iria voltar atrás.
Minha mãe estava sentada na minha cama esperando algo, não sei bem o quê, talvez tivesse pressentido que eu iria falar algo muito sério a
ela. Então agressivamente eu disse a ela que continuaria recebendo cartas de quem eu quisesse, inclusive de homens, pouco me importava com isso, afinal, sou gay se é isso o que ela não quer que eu seja. Bem, daí desenrolou uma situação enfadonha, inclusive para lembrar e que no mesmo dia tratei de postar aqui. Leia o texto aqui.
Naquele dia um misto de sentimentos me vinha a todo o momento. Era alívio da verdade revelada misturado a nova pressão que se instaurava, a de ficar continuamente justificando o que para mim por si só já estava justificado, a de se controlar sendo polido e racional quando o que eu recebia do mundo era apenas emocional, ao orgulho da coragem obtida por conseguir o que muitos não haviam conseguido e talvez demorem conseguir.
Sol + Chuva = Arcoíris + Eu + Câmera = Blog.
Postei aqui acreditando que o meu texto tinha também um caráter de utilidade pública e em um tópico já criado, falando entre inúmeras coisas, o meu aviso aos meus iguais de que o conhecimento dos outros a respeito da minha condição havia mudado na comunidade do armário. Foram congratulações, elogios e muitas perguntas.
Sabe, de certa forma me orgulho e fico feliz por isso e por mais que no meu caso tenha sido através dos caminhos das pedras que cheguei a redenção, desejo isso a todos os outros esse relativo sucesso que obtive.
Pois bem, um ano se passou e os benefícios vivenciados por esse assumir para os pais – e sem saber para os avós, leia aqui - foram poucos. Sendo meritocrático, a culpa foi minha. Na terapia, refletindo a respeito de mim mesmo durante o ano de 2009, cheguei à conclusão de que o meu ano de apatia teve como culpado eu mesmo. Faltou realizações por ter faltado de mim os objetivos e sem querer ser sofista, o Universo, tanto faz aqui com letra maiúscula ou minúscula, não se abala sozinho para conseguir o que desejamos.
Bem, 2010 começa diferente. No blog a diferença essencial é a primeira postagem ser intencionalmente no dia do mês em que foi publicada a segunda de 2009. Claro, essa postagem aqui tem um caráter muito mais reflexivo do que o emocional que teve a outra e quiçá tenha um caráter simbologista.
Sobre 2010 defini algumas coisas. A primeira é que não vou me considerar mais no armário e nem assumido, sequer vou me preocupar com um rótulo, que é feito para potes de geléia e não para eu que me vejo como complexo, multifacetado, singular e humano, com o que mais nobre ou podre isso tenha. Uma forma que encontrei para dar fim a essa designação de armariado foi o fim da minha participação na comunidade Estou no Armário e daí?, assim como o do meu perfil Well Bernard no Orkut.
Saí da comunidade, pois a um certo tempo não me identificava mais com ela que surgiu num momento da minha vida caracterizado por uma recente autoaceitação, porém cheia da solidão e cercado por um horizonte incógnito e amendrontador. Lá tive meus erros, os quais não seriam repetidos se fossem hoje sem dúvidas. Não os lamento porque isso nada adianta e adiantar alguma coisa não é meu desejo.
Também houve meus atritos, minhas divergências, me chamaram de coisas ruins. Mas quem disse que também não tenho coisas ruins para dizer a respeito dos que me ofendem? Mas foi bom, infinitamente bom, imensurávelmente bom. Pois a ENAED desencadeou coisas que certamente não se desencadeariam sozinhas em mim.
Sei que terei muitas saudades das conversas nos botecos, as cantadas dadas e recebidas, das trocas de experiências, a paciência para ouvir os relatos, para dar e ouvir conselhos inseguros, errantes, mas sinceros. Das provas de amizades não imaginadas, principalmente a dada pelos amigos de São Paulo. Embora tenha sido bom, a ENAED nunca será o que preciso para mim, pois essas demandas já foram superadas. Também não terá o encanto da naturalidade com que as coisas decorreram. A hora de sair e de deixar a comunidade para os outros e suas trajetórias e projetos de vida chegou e eu a fiz.
Assim penso que seja melhor sair, pois faz muito tempo que eu não me identificava mais com a ENAED e assim não tinha mais eu algum entusiasmo para lê-la, dela participar. Sentia-me nela alguém alheio e distante. De tal maneira, discretamente a deixei apagando, por não ver sentido em manter a existência, de Well Bernard. Saí da comunidade para dar ponto um final em um importante capítulo do texto que pode ser a minha vida.
Voltando ao que eu dizia, 2010 é um ano de planos, entre os outros planos está tentar realizar uma vaga em algum projeto de mestrado na universidade e em proporção menor, aumentar a convivência com pessoas do meu universo sexual na minha cidade e quem sabe atender e ser atendido pela demanda afetiva de alguém.
E aqui termino a primeira postagem do ano 2010, no dia do aniversário da minha “assumição”.