Acelerando vem o ônibus descendo a Avenida Araguaia. Os olhos enxergam distorcido, é uma tarde quente e úmida de verão. Estende-se o braço e a condução para a metro meio da calçada. As pessoas vão embarcando com seus cartões e bilhetes magnéticos. Com as arrancadas e trocas de marcha vai-se calambeando, esbarrando nas barras de metal e nas pessoas, até o fundo do veículo, onde tem lugar para sentar.
Mas não se senta, deixa simplesmente as nádegas caírem sobre os bancos de fibra. Uma vez que se senta, o ônibus freia e o cantar agudo dos freios abafam o ronco do barulhento motor a diesel. Ali, naquela parada, entra aquela velha, lá com seus 100Kg, pernas inchadas e duas grandes sacolas daquela loja de enxovais baratos.
Quem escreve não gosta da velha, ela é fofoqueira e fala mal de todo mundo. Na maior parte do tempo, a velha fala sem saber e inventa o que não sabe para continuar falando o resto que sabe. A velha é uma pseudo pessoa conhecida.
O ronco do motor diesel impera outra vez, e todo mundo, sincronizadamente, é jogado pela inércia para trás. A velha ainda está na dianteira do ônibus inutilmente agarrando com o mindinho aquela barra de metal enquanto procura em meio ao bolo de cédulas, cigarro, esqueiro, lembretes e moedas, daquela bolsinha de couro, o bilhete magnético.
Enquanto isso, de novo a inércia, que dessa vez joga todo mundo para o lado direito do ônibus quando o mesmo entra na Paranaíba. Sorte dessa velha ser gorda e ali na catraca ficar meio que espremida, se não teria batido com a testa na janela, com sacolas e tudo.
Ficar sentado no fundo do ônibus é meio que um lazer, enquanto o entreterimento é saber quando a velha vai cair e deslizar por metro, dois metros, no chão rugoso do ônibus. Por enquanto a velha só empatetou-se seis vezes tentando enfiar o maldito bilhete na boca da catraca eletrônica.
Quando a velha finalmente enfiar o bilhete, já tem gente esperando ela passar porque já se está na outra parada. A velha ergue as sacolas, as passa para o outro lado da catraca e começa a mover desengonçadamente o corpo roliço naquele espaço espremido. O ônibus acelera novamente, até mesmo porque sinal laranja em Goiânia significa acelera que dá. Com a aceleração, a catraca é nada mais do que a garganta engolindo aquela velha estúpida para dentro do ônibus com toda força.
Agora sim a velha vai cair! Ou não, as tiazinhas seguraram-na pelo braço e a moça da bunda chulada foi empurrada por aquela bunda cheia de tecido adiposo. A velha envergonhada pede desculpas, viu no fundo do ônibus, perto daqui, lugar para sentar ela e suas sacolas.
Mas agora a velha vai cair, o ônibus desce a 68 e todo mundo, tal qual a massa de manobra que são, é jogado durante a curva para a esquerda da condução. Mas a velha fofoqueira não caí!!! Quando dá para pensar: é agora! alguém ou ela mesma, segura!
Mas essa velha tem que cair para nunca mais falar mal da vida dos outros.
O ônibus freia, ela para de andar ali no meio e se segura. O sinal está fechado e ela começa a se deslocar como uma jamanta. Ainda bem, a luz verde e então o possante motor ronca estridentemente. Todo mundo é jogado novamente para o fundo do ônibus e finalmente a velha não consegue se segurar. O braço passa em falso pela barra de metal, ela dá dois passinhos a frente e vai com aquelas sacolas de encontro ao chão!
Sinceridade é necessária, fiquei com dó, o chão tremeu e o queixo por pouco não bateu no chão áspero e sujo. Mas sua cabeça ficou a meio metro do meu par de All Star.
Os iludidos com a figura acham que mais uma velhinha fofinha, e fofa literalmente porque é gorda, foi violentada pelas leis da gravidade, ação e reação e prontamente se põem a ajudá-la enquanto a mãe do motorista, que muito boa pessoa é em comparação a esse sujeito linguarudo caído no chão, recebe toda sorte de ofensas.
Bem, de qualquer forma dá para se sentir vingado. Mas a velha não aprende, rala os joelhos e continua falando mal da vida dos outros. Um dia ela vai queimar a língua, em algum evento da paróquia e ao redor de muitas pesssoas. Aí sim ela vai aprender.