Quando lia a Bíblia, ia as missas, participava de encontros, retiros, pregações, fazia preparação para crismar lembro muito do que se dizia nesses lugares todos sobre o perdão. Lembro de como ele está contido nos escritos religiosos e como os cristãos acreditam nele como algo preponderante para alcançar a vida eterna, a santidade.
Hoje não sou mais cristão, aliás, me defino nesse momento como ateu, mas sobre o perdão eu concordo. Contudo não acho perdoar algo cristão, mas sim algo humano, uma prova de nós como seres racionais, inteligentes, diferentes e capazes de encontrar novas saídas para os conflitos.
Nos meados da minha adolescência aconteceu um conflito familiar. Esse conflito coincidiu com a época em que eu estive mais religioso, o conflito teve a mim como um dos epicentros. Saí dele muito ofendido, magoado e enraivecido.
Dizer que tinha raiva não resolvia o problema, mas me fazia sentir melhor quando a autoestima estava em baixa e pedir ou dar perdão, não importa quem estivesse culpado ali, era o que eu jamais pensaria em fazer, até mesmo porque eu estava muito orgulhoso.
Mesmo assim eu continuava hipócrita. Dentro da Igreja continuava rezando, cantando e pedindo perdão a Deus, algo que nos preceitos cristãos eu só teria o direito de pedir se eu desse também. Bom, mas eu achava que o perdão de Deus era maior até do que meu orgulho e minha hipocrisia e tudo bem se eu não pedisse perdão, Deus não me deixaria ir para o inferno, o maior medo da minha vida naquela época.
Minha mãe, matriarca que é, defendeu seu filho. A minha relação e da minha mãe para com um tio meu resumiu-se a diplomacia e até deixamos de participar de reuniões em família por causa da presença dele.
Com o passar do tempo minha mãe continuou muito resistente com relação ao meu tio. Eu não. Eu achei tudo que aconteceu na adolescência uma coisa menor, irrelevante, mas não ia tratar das situações como se nada tivesse acontecido. Nas reuniões em família eu continuava diplomático, mas sem abertura, aliás, fingindo quem não o via, escutava, simplesmente, que ele estivesse ali.
Devo confessar que foi um grande excercício de Paola Bracho ser tão dissimulado e cínico, fingir que absolutamente nada estava acontecendo. Mas fingir tudo isso foi um pé no saco e cansativo.
Então chega o último feriado prolongado, na casa da tia no interior, os filhos dos meus avós todos reunidos juntamente com eles a sós dentro da cozinha, onde estava minha mãe, enquanto netos e bisnetos do lado de fora ficavam curiosos.
Interessante é que eu fui o único deles, netos e bisnetos, que teve a honra de participar, mas quando meu avô começou a falar sobre perdoar 70x7 como Cristo falou e ali ao meu lado estava o tio, saquei a charada.
Bom, daí que achei aquele momento muito peru Sadia na noite de natal. Minhas tias choraram, minha avó chorava, os primos bicões choravam. Eu, que rapidamente mesmo sem saber o porquê me solidarizo com as lágrimas de riso ou choro, pelo contrário, dava altas gargalhadas porque achei tudo comicamente… fofo.
Se Deus existe, eu agradeci. Falei que da minha parte estava tudo bem, posaram os tios, tias e o tio, jutamente comigo, pais e meus avós numa foto estilo momento Kodak Ultra.
Confesso que tive vergonha de dizer no começo, há pouquissimos anos, que da minha parte estava tudo bem e que tive receio de não ser reciproco. Mas por em prática o perdão, não importando quem devesse ser perdoado por quem, foi o ápice do feliz feriado que tive.
Enfim, mas acho que o maior perdoado foi eu e o maior perdoador também, pois dessa forma deu para ficar melhor comigo mesmo e pensar que não estou devendo nada a ninguém. Entre essas dívidas está a de provar a mim mesmo que de fato dou perdão e me apego cada vez menos a essas vaidades, a de se achar muito bom para pedir perdão ou não dar perdão.
P.S.: Bom é que mesmo que eu volte a ser Cristão eu vou poder rezar o Pai Nosso em paz.