sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Não vou mais a psicóloga

Não estou fazendo terapia nas últimas semanas, a psicóloga está em licença maternidade e vai demorar mais algumas semanas para retornar às atividades. Tenho pensado comigo, pretendo encerrar as sessões. Ultimamente não sinto que as coisas ditas na terapia estejam ajudando a melhorar em algo. Aliás, parece que tudo está velho. Vou a uma sessão e vou trazer essa questão para a terapeuta e talvez ela me convença a continuar com aquilo que certamente é um dos divisores de água na minha vida. Minha adolescência foi conturba no sentido d’eu não compreender realmente quem eu sou, o quê pretendo fazer da vida, o quê me faz feliz, entre outras coisas que acho que sáo normais a todos adolescentes passarem. Nessa questão a terapia ajudou de forma imensurável.

Já falei aqui que trabalhei durante a minha adolescência em um programa que emprega adolescentes durante meio período em órgãos do Governo Estadual. Durante esse programa conheci várias pessoas, entre elas um cara que trabalhava em um dos departamentos do órgão no qual eu fui lotado. Esse cara é simplesmente um deus grego, grande, lindo, voz de trovão, heterossexual pegador com cara de bad boy.

Eu já trabalhava alguns meses no lugar, mas foi depois que percebi que na presença desse cara eu ficava tímido e ao mesmo tempo feliz. Conversar com ele me deixa ao mesmo tempo recompensado e irritado, porque minhas pernas tremiam contra a minha vontade. Logo eu estava tocando punheta pensando naquele cara. O irônico que ainda assim eu me achava heterossexual e quando na presença dele fazia saliência com as outras jovens do programa de emprego para ele pensar que eu era um pegador. Eu nunca fui pegador e para ser bem sincero, tenho nojo de beijar mulher na boca. Mas que fique bem claro, é só beijo na boca e coisas mais íntimas. Um selinho é super aceitável.

Eu não era tão tapado assim, percebi que eu queria ser heterossexual, mas na verdade eu era homossexual, porque heterossexual algum bate punheta pensando num cara lindo igual aquele, nem mesmo feio. Bem, nesse período da minha vida, por volta dos 17 anos, eu vivia um momento de fervor religioso e era daqueles que acreditava que homossexualidade, na verdade homossexualismo, era contra a vontade de Deus, punido com o fogo do inferno, mas que nós, até então cristãos, tínhamos a arrogante humildade de tolerar, contanto que a pessoa não fosse mesmo homossexual. As conseqüências disso na minha vida foram o fato d’eu não me aceitar como homossexual, sentir culpa por me sentir atraído por aquele cara e achar que eu não gostava dele e ele fosse recíproco nessa questão.

O que aconteceu então foi o seguinte. Passei a dar maior relevância aos momentos em que sutis atritos ocorriam entre mim e o sujeito, uma vez que ele trabalhava no protocolo, lidando com números de processos, e eu criava listas enormes, com dezenas de números de processos para serem arquivados por ele no sistema de gerenciamento. Nada tão relevante assim. O que acontecia é que apesar do meu esforço eu errava um, dois, três, quatro ou cinco ou seis números de processos e ele... ficava putaiado com aquilo. Além do mais o cara possuía um bom relacionamento com todos jovens do programa, mas comigo não, porque eu simplesmente sou tímido, raramente tomo a iniciativa e naquele caso não dava abertura.

Aí é que entra a terapia. Eu me sentia incomodado com o relacionamento com o cara do protocolo, ou seja, eu não ia em vão para terapia. Porém eu não ia às sessões para falar que eu era gay, embora não fosse minha escolha, e que estava apaixonado por um heterossexual que sequer dava a mínima para mim como colega de trabalho. Eu estava incomodado e mentia para mim e achava que mentia para a psicóloga que o que me incomodava no cara era seu comportamento anti-ético, o que não era, no trabalho e seu sádico assédio moral. Coisa fofa né? Eu, um menino de 17 anos que deveria estar estudando para o vestibular, mas que por outro lado não precisava pedir dinheiro aos pais para ir ao shopping com os amigos, estava sofrendo assédio moral no trabalho e a terapeuta estava me ajudando a enfrentar aquilo?

Ok! A terapeuta estava ajudando mesmo, mas não da maneira que eu esperava que tivesse. Ela ia somando tudo aquilo e depois de forma eufemística me chegava à parede e dizia, eu sei que você é um homossexual que não está entendendo nada, que está com medo e que está pedindo, a sua maneira, ajuda. Tá, talvez ela não pensasse bem assim, mas que chegar a uma revelação da minha parte ela queria, ah ela queria. Ele fez isso umas quatro vezes e eu negava. A terapeuta fazia aquela cara de “Aham Cláudia, senta lá” durante minutos e eu ficava como uma cara de estrela do PT, vermelha. Eu, não com os erros de pronuncia de Luan Santana, dizia a ela que eu sou homem e gosto de mulher. Na verdade eu fingia que gostava de mulher porque pensava fazendo aquilo, no meu inconsciente, iria ganhar um beijo no cangote daquele macho gostoso.

A terapia não fez nada sozinha, outras coisas também foram acontecendo, o novo jeito de se fundamentar a verdade que descobri na Universidade, as frases de efeito que eu ouvia por parte dos militantes do Colcha de Retalhos, a minha própria angústia e vontade de me aliviar, enfim,várias coisas foram colaborando para o meu processo de auto entendimento e aceitação. Porém, a terapia deve ter ajudado em uns 40% o processo.

Conforme eu também já falei aqui, um dia viajando para São Paulo de carro com meus pais, eu na solidão e no silêncio do banco detrás, enquanto admirava a paisagem da BR 050, assumi mentalmente para mim que era homossexual, que o caminho era esse, as conseqüências disso eu pensaria depois e que eu estava desistindo da heterossexualidade. Fui à terapia e finalmente contei à psicóloga? Não! Entrei em comunidade no Orkut usando perfil fake, falei da minha vida para pessoas na mesma condição, elas falaram da delas para mim, não me senti de todo só e nesse período fui colocado por ela na parede e menti mais uma vez.

Fazendo ao redor de 18 meses de terapia e eu já maior de idade estou falando uma trivialidade qualquer da vida durante a sessão quando na verdade queria liberar o glitter. Lá pela metade do meu horário naquela manhã quente de quinta-feira, eu interrompo a mulher no meio de sua esplanação sobre algo naquele momento irrelevante para mim e digo algo mais ou menos assim:

“Olha, na verdade eu estou aqui hoje não para falar disso, eu quero falar de outra coisa. Você já sabe, já sabe desde o começo, eu venho mentindo, minhas mãos estão geladas, meu pés também [o Well sente o coração disparando e os ossos da almofada em seu colo quebrando, kkk], enfim, eu estou falando mais do que quero, é, eu sou gay!”

Bem, o que aconteceu depois disso, bem, naquele dia, ela falou que já sabia, que estava esperando por aquilo, estava esperando o meu tempo, mas não que eu viesse daquela maneira tão “interrompente” e disparada, o que foi de certa maneira engraçada. A terapia durante muitos meses foi o tempo de falar “Caraca, eu sofrendo desse tanto só por causa de uma bostinha simples dessa?”. Tudo que a terapeuta falava fazia sentido da mesma maneira que todos nomes que Adão, quando sozinho no paraíso, dava as coisas pegavam. Assim como Deus eu vi que aquilo, a terapia, era bom e disse que assim seja.

Apesar de ser a terapia um divisor de água, penso em encerrar as sessões, pelo menos por enquanto, dar um tempo, aprender mais, sofrer mais, para voltar ali ou em outro lugar. As sessões, a exemplo de toda minha vida, viraram um tédio e ali não tem nada que me prenda atenção. Sinto que eu já aprendi o suficiente até o momento, o que eu preciso agora é colocar em prática e esperar os burros darem na água para voltar ali ou em outro lugar. Eu sei que depende de mim dar mais graça à minha vida, encontrar novos amigos, terminar meu curso, encontrar um emprego que me satisfaça, virar o doce de filho que minha merece que eu seja e no entanto não sou. A noção que tenho é que ir agora as sessões será apenas bater na mesma tecla quando o quê eu preciso mesmo é de uma impressão a laser. KKK Adoro metáforas!