quarta-feira, 29 de abril de 2009

Monte Castelo

A primeira vez que eu me apaixonei foi aos quatorze e anos e eu estava começando o 1º ano do Ensino Médio. A professora de Literatura deu como conteúdo a turma o 11º Soneto do poeta português Luís de Camões. Para mim aquilo foi muito didático, pois daqueles 40 estudantes, provavelmente só eu que estava sentindo na pele - no estomago, no coração, nas pernas, nas mãos e o que quisesse considerar - o que Camões sentia quando escreveu o seu soneto e a professora em vão explicava aos seus discentes. Emoção é emoção, razão é razão, logo não existe razão explicando a emoção, então o que a querida professora fazia ali era em vão. Só quem se apaixonou ou estava apaixonado entendia aquilo.

Mas quando me apaixonei as coisas não foram agradáveis, muito antes pelo contrário. Eu estava apaixonado por um rapaz, que morava em uma quadra próxima a da minha casa. Estar apaixonado por ele era de tirar o sono, não só porque ele é bonito, hoje mais bonito ainda do que naquela época, porque eu afirmava a mim uma heterossexualidade que só eu bem sei que nunca existiu e então nutrir algo pelo menino em questão é contraditório.

Ficar apaixonado foi a coisa mais confusa que aconteceu no meu mundo. Na época eu ficava pensando no rapaz o tempo todo, imaginava situações, gerava motivos para ir a algum lugar que eu tivesse que passar pela porta de sua casa, onde ele geralmente nos finais de tardes sentava com seus amigos para conversar. Até sozinho em casa ou com alguém, em algum lugar, me comportava como se ele, que até hoje nem me conhece a não ser de vista, fosse chegar e reparar o que eu faço.

Nas situações que eu imaginava eu estava fazendo algo que pudesse impressioná-lo e o tipo de relação que tínhamos era no máximo amizade, mas meu corpo, minhas emoções queriam outras coisas que minha razão rejeitava. Às vezes eu me sentia bem com aquilo, outras não, me sentia culpado, amoral e até inferior por saber que o que eu sentia não era o que eu pensava.

Na situação, que era de conflito, comecei então a fantasiar que realmente eu gostava dele, mas era só dar um tempo ao tempo, aquilo tudo ia passar e eu iria me ver novamente como heterossexual que sempre pensei que fosse, casado, com uma linda família de comercial de margarina. Passou, mas fácil não foi e nem virei o tal heterossexual que pensei que fosse, continuava o mesmo viado de sempre.

Outra vez que eu me apaixonei, ouve um período da minha vida que passei a freqüentar um órgão estadual onde no protocolo trabalhava um homem, que por ter me dado conta de que estava também apaixonado por ele passei a odia-lo. Não gostava de encontrá-lo, não gostava porque o que eu sentia era justamente o contrário, alegria. Dá para entender? Não sei. Além de odiar e amar, me encontrar com o sujeito era constrangedor, me sentia ridículo porque quando estamos apaixonados, queremos impressionar a flor roxa que nasce no coração do trouxa, que sou eu.

Com o tempo a paixão foi passando e nunca mais me apaixonei, pelo menos por heterossexual, ou aparentemente heterossexual. Ainda bem e isso tem explicação, o que eu penso ser explicação.

Finalmente eu comecei a não ter mais medo de mim mesmo, questionei o que eu acreditava e o que eu sentia. Comecei a questionar não tudo, mas muita coisa. Foi daí que afastei da religião, daí que comecei a tolerar, aceitar foi um pouco mais tarde, que eu sou homossexual e tentar acomodar a melhor forma para se viver com essa condição. Fez parte da minha autoaceitação as indagações e os desprezos aos valores religiosos, pilares do meu período de inaceitação.

Sobre se apaixonar, há tempos não me sinto apaixonado e finalmente quando isso acontecer não será mais tão ruim, aliás, será bom, talvez, não sei. Não vou precisar mentir nem para mim e nem para quem eu confio sobre o que eu estou sentindo, pois penso que serei inteligente emocionalmente para não mais se apaixonar por quem for heterosseuxal. Bom também que com esse tal de gaydar dá para saber com certa segurança quem é colorido como eu, e então dar sinal verde ao coração.

Agora o meu objetivo é ter alguém para abraçar agora. Prontofaleibeijomeliga.

(Mystica, eu te amo)

11° Soneto de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?